Doação de órgãos: diretrizes para reduzir contraindicações mal atribuídas
Último levantamento feito pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), com dados do ano de 2016, revela que a taxa de doadores efetivos de órgãos no país apresentou leve crescimento, atingindo 14,4 por milhão de população (pmp), mas ainda foi menor do que o esperado, já que a meta estipulada há 5 anos para o ano de 2017 era de 20 doadores pmp. Até setembro do ano passado, 32.712 pacientes adultos e 910 pacientes pediátricos estavam na fila nacional de transplantes.
Apesar de o Brasil ter o maior sistema público de transplantes do mundo, em números absolutos, o desempenho efetivo – número de procedimentos realizados em relação à população – ainda é baixo. Na análise do Dr. Glauco Westphal, membro do Comitê Científico de Transplante e Doação de Órgãos da AMIB, ainda há um longo caminho pela frente, pois a meta estipulada para 2017 era de 20 pmp. “Diante desse cenário, oferecer uma diretriz que oriente os intensivistas de forma clara a respeito da seleção e validação do potencial doador de órgãos, é fundamental”, garante.
Dados do último Registro Brasileiro de Transplantes apontam que o maior motivo de perdas de doadores ainda é a não autorização familiar. Das 7.669 notificações de potenciais doadores em 2016, 4.490 resultaram em entrevistas com a família. Desse total, em 1.965 casos (44%), a doação não foi autorizada. A segunda causa de perdas foi a contraindicação médica, que ocorreu em 1.197 casos (16%), além dos 874 casos de perda por parada cardíaca no doador (11%). Mais 1.418 perdas foram atribuídas a outras causas, geralmente ligadas a problemas logísticos (18%).
“Temos que informar os intensivistas, que são fundamentais no processo, de que a doação de órgãos é uma sequencia de eventos que começa e termina na UTI. É onde tudo se define.”, afirma o Dr. Westphal.
A AMIB tem como meta orientar, treinar e capacitar os profissionais de Terapia Intensiva para atuarem do modo mais adequado junto ao potencial doador e seus familiares, de forma a efetivar a doação de órgãos. Em um primeiro momento, preparar esses profissionais para conduzirem a entrevista familiar. É uma situação de grande perda e dor que sobrevêm aos familiares, onde os sentimentos são confusos, e a falta de acolhimento ou a má condução da comunicação entre equipe assistencial e familiares podem colocar tudo a perder. “A equipe precisa estar preparada para conduzir o processo da forma mais adequada”, ele alerta.
É frequente que se responsabilize a cultura da população pelas altas taxas de não autorização familiar, o que geralmente não é verdadeiro. A experiência de outros países como a Espanha, demonstra que a intenção da população em não doar permanece constante durante décadas, ao mesmo tempo em que as taxas de não autorização caem fortemente, alcançando cifras menores que as observadas em pesquisas junto à população. Esses resultados surpreendentes foram alcançados graças a um forte programa de capacitação das equipes de terapia intensiva para realização de entrevista familiar.
Outro ponto crucial é a manutenção clínica do potencial doador. As técnicas para manutenção do potencial doador também exigem acurácia. Apesar de não ser um procedimento muito complexo, deve ser feito de forma correta e sistematizada. Além disso, o que observamos em relação à manutenção do potencial doador, é a existência de certa resistência, talvez até mesmo um certo preconceito da equipe em prestar cuidado a alguém que já não tem mais vida.
“O que deve ficar claro é que não estamos simplesmente manipulando um cadáver, mas garantindo condições clínicas para que aquela pessoa que se encontra em morte encefálica possa ser um doador de órgãos e ajudar outras pessoas que necessitam desses órgãos para sobreviver ou melhorar sua qualidade de vida. Enxergar além de um indivíduo morto é uma forma de beneficiar outras pessoas em situações de alto risco”, enfatiza.
Outro ponto importante é a seleção e a validação do potencial doador. “O objetivo da diretriz de seleção e validação é fornecer subsídios mínimos ao intensivista na realização do diagnóstico da morte encefálica e avaliação de critérios expandidos e contraindicações para doação. É importante que o intensivista entenda que não deve contraindicar de forma sumária e impulsiva casos que não representam contraindicações absolutas. Por exemplo, não há limites de idade para ser doador da maior parte dos órgãos, assim como doadores com sorologia positiva para vírus da hepatite B ou hepatite C podem ser doadores de órgãos para portadores desses vírus. Além disso, embora ainda não seja a realidade brasileira (não há regulamento técnico para tal), há relatos de doação de órgãos de portadores do vírus HIV para receptores igualmente portadores. Nesse sentido, entendemos que o conhecimento gera segurança e evita contraindicações que podem descartar órgãos em boas condições” conclui.
A AMIB é uma parceira da ABTO no desenvolvimento de iniciativas conjuntas como as diretrizes de manutenção e de validação, estudos clínicos, capacitações e outras ações voltadas à doação de órgãos.
Para mais detalhes acesse a íntegra da nova diretriz no link: http://www.scielo.br/pdf/rbti/v28n3/0103-507X-rbti-28-03-0220.pdf